Trem do Pantanal

quinta-feira, 8 de março de 2012

Pesca de mato



O Rio Paraguai, transbordando suas águas e alagando a mata
Como sou um aficionado pela pesca e pelo rio Paraguai, mesmo quando não estou pescando, sempre dou um jeito de passar na beira do rio! Ali fico por minutos olhando as águas, os pescadores que ficam no cais fazendo sua pesca de barranco, com suas varinhas de bambu a espreita de algum piau, barcos passando, ou lá longe “bugrinhos” tomando banho na praia da chácara do saudoso americano Daveron, que em uma época passada também se apaixonou por esta região, fixando residência na beira rio, de onde nunca mais saiu até seus últimos dias.

Neste ambiente sempre encontro amigos, que por lá passam pelo mesmo motivo que eu! Dia desses, em uma de minhas visitas ao cais da Praça Barão do Rio Branco (praça banhada por um braço do rio Paraguai, chamado de Bahia dos Malheiros, um dos belos pontos turísticos de Cáceres), encontrei um amigo de infância chamado Moacir, conhecido desde criança como “Acir”, e entre uma conversa e outra começamos a lembrar de pescarias que fizemos na infância.

O Acir vendo aqueles pescadores lutando para pegar um piau, me lembrou de uma pescaria que fizemos há muitos anos perto daquele local. “Ah como tinha peixe naquela época!”, disse ele para mim”. E naquele momento as lembranças voaram longe! Disse a ele: “como poderia esquecer meu amigo!”. 

E foi assim que aconteceu...

O pantanal, ao contrario do que muitos pensam, não é só formado por campos alagados. Possui matas ciliares muito densas, em algumas regiões parecidas com as matas amazônicas. Em meados de dezembro, a chuva, que teve seu ciclo iniciado em outubro, começam a cair com muita intensidade, e enche os afluentes, que por sua vez despejam suas vazantes no rio Paraguai. E o “Paraguaizão”, ao estar bem cheio, joga a água para fora do seu leito, causando o alagamento de áreas gigantescas, e as matas ciliares às margens do rio se transformam em um grande ambiente de reprodução e alimentação para os peixes pantaneiros. Dentro destas matas existem árvores frutíferas que soltam suas frutas maduras dentro da água, justamente nesse período da cheia, proporcionando aos peixes que adentram na mata uma enorme variedade de alimentos. 

Lembro-me que em uma cheia no inicio dos anos 90, eu e Acir marcamos uma pescaria para o fim de semana, pois mesmo sendo bem jovens já trabalhávamos e só podíamos pescar nos feriados e fins de semana. Tínhamos pouca experiência na modalidade de pesca que íamos fazer, mas muita disposição e coragem! Pelo fato do rio estar cheio, a pesca consistia em adentrar na mata inundada, com uma pequena canoa conhecida pelo nome de “desinteira família”, nome atribuído por ser uma embarcação muito pequena e fácil de afundar. Mas assim tinha que ser, aprendi esse tipo de pesca com meu pai.

Conhecida na região como pesca de mato, o pescador deve entrar na mata com a canoa e ir fazendo uma picada para marcar a localização, assim alcançando as fruteiras nativas onde os pacus comem. Os pacus percorrem grandes distancias mata a dentro, à procura de fruto caídos na água. É impressionante como fazem para comer! A fruta pode estar em um lugar bem raso, e mesmo que ele tenha que nadar de lado, alcança frutos a apenas 30 centímetros de profundidade. Quando se encontra uma boa fruteira soltando as frutas, marca-se o local, pois ali é uma ceva natural.

Existem duas maneiras de pescar no mato:

- Uma é usando uma vara de bambu bem curta, de no Maximo de 1,5 m, com uma linha grossa 0,100 mm, do mesmo tamanho da vara. O melhor anzol é o norueguês n° /5, por ser bem afiado e muito resistente. A vara curta vai facilitar a boleada da linha dentro do mato para não bater nos galhos. O sistema é iscar uma fruta (marmelada ou um coquinho de tucum) que são as que os pacus mais gostam, e bater na água como se ela tivesse caído do pé. O barulho de fruta caindo na água é musica para os ouvidos destes peixes, eles vem para comer a fruta que caiu, e o pescador pode se preparar porque o tranco é forte e a emoção é grande! Lembrando que o pescador deve manter muito silencio, porque a água na mata é rasa e os peixes ficam ariscos.

- A outra maneira é amarrando linhas dentro da picada em galhos flexíveis, de 10 em 10 metros, com uma linha resistente e deixando a isca na flor da água, pois na natureza 90% dos frutos bóiam, e isso faz parecer que a fruta está flutuando. O pacu pega e, quando afunda, o galho faz o trabalho de fisgar. Quando é pego desta maneira, o peixe faz muito barulho, pois a linha é curta e ele briga na flor da água.

A pesca de mato é muito usada por pescadores profissionais, por ser de baixo custo. Requer muito conhecimento da região, é sofrida pelo fato do pescador estar no mato e sofrer picadas de formigas e vespas a todo o momento, mas é uma das mais eficientes na pesca do pacu. Se a mata tem frutas com certeza tem peixe!

Meu pai havia feito uma excelente pescaria a poucos dias, e tinha me falado que naquela mata tinha muita fruta e estava cheio de pacu. Eu já conhecia a região, e então na sexta-feira convidei o Acir para ir pescar comigo, e ele de prontamente aceitou. Combinamos que sairíamos sábado bem cedinho. Quando eu convidava aquele cara para pescar, via seus olhos brilharem de alegria. Como ele gostava!

Na sexta à noite preparamos tudo, fizemos uma matula, arroz com galinha e ovo frito, pensa num trem bão! Compramos uns refrigerantes, ajeitamos as tralhas e fomos dormir para sair no outro dia cedo. Antes do amanhecer já escutei uns gritos lá na rua em frente à minha casa, era o bugre louco para sairmos logo! Tirei a bicicleta do quintal, amarramos as tralhas nas bikes, e partimos em direção ao local onde ficavam as canoas. Do local onde saímos, até o ponto de pesca, dava mais ou menos uns 5 km de rio, isso equivale a mais ou menos 40 minutos de remo. No percurso já íamos traçando os planos para pegar os peixes. Chegando ao local percebi que já tinha um pescador naquela mata, e por isso não daria para pescar ali. Fiquei um pouco decepcionado, mas combinei com o parceiro que iríamos procurar outro ponto, e assim partimos para outro local. Entrando em um igarapé (na região, chamados de “baías”), percebi que tinha um grupo de macacos bugios fazendo uma grande algazarra, e vi que estavam derrubando muitos frutos na água, foi então que comecei a me animar e disse pro parceiro: “se tem macaco derrubando fruta, tem peixe em baixo comendo!”.


Macaco Bugio

Procurei um lugar para entrar e averiguar que frutas eram aquelas. Para conseguir entrar na mata foi um pouco difícil, pois havia muitos cipós entrelaçados que dificultaram bem o trabalho, mas nada que um bom “Tramontina” não desse conta! Ao me aproximar das árvores, percebi que os macacos me viram, e por algum momento a bagunça parou. Dei uma olhada no chão vi que se tratava de uma fruta chamada de cajá (encontrada na maioria dos estados brasileiros), se parece muito com a Seriguela, mas tem uma cor forte puxada para o amarelo, e por sinal é muito saborosa, adocicada e ácida, proporciona um suco muito saboroso refrescante. 


Pé de Cajá - os pacus adoram

Pedi para o companheiro fazer silêncio, para que eu pudesse ver se tinha peixe comendo ali. Peguei a vara e dei umas cinco batidas na água, imitando a fruta cair. O que eu tinha para iscar era o coquinho “tucum”, e para minha felicidade notei ondas por todos os lados dentro daquela mata, e fiquei certo que eram pacus querendo achar a fruta que tinha feito o barulho. Na pescaria de mato é possível ver, em alguns momentos, o peixe abrindo água com a barbatana dorsal. Isso acontece em pontos onde a água está bem rasa, e o pacu vem por esses lugares para comer. Mais que depressa preparei o facão e comecei a abrir uma picada. A mata devia ter uns 400 metros de água límpida e corrente, e isso me deu um bom espaço para colocar as linhas de armadilha. Deixei o Acir em um pé de cajá para ir colhendo os frutos para usarmos como isca, e fui adentrando e amarrando as linhas. Já com umas 25 linhas amarradas, decidi que era o suficiente e retornei à fruteira para pegar o companheiro.

Ele tinha uma sacola bem cheia e já dava para pescar um bom tempo. Saímos iscando os anzóis, e quando já estava no meio da picada escutei um estrondo na água. Por um momento ficamos quietos para ver do que se tratava, e aí o pau quebrou de verdade! Nessa hora foi só alegria, o coração parecia que ia explodir, a euforia tomou conta dos dois, e logo viramos a canoa e remamos com força para chegar no local para retirar o nosso primeiro peixe. Quando um pacu está preso na armadilha dentro do mato, é preciso ser muito rápido para retirá-lo da água, pois a disputa com piranhas e jacarés é grande, e se a gente der bobeira eles tomam o pacu da armadilha. 

Chegando perto de onde tínhamos ouvido o barulho fiquei apreensivo, pois tudo já estava calmo, e me preocupei achando que um jacaré tivesse tomado nosso peixe. Mas olhando bem lá na frente percebi um movimento na água, apurei a vista e vi uma grande mancha amarela arredondada nadando de lado, bem suave, pois a linha era curta e fazia com que o peixe praticamente flutuasse. Arreganhei um belo sorriso e falei para o companheiro: “este já esta no saco!”. Chegando perto vi que se tratava de um belo pacu, já muito cansado de tanto brigar, entregue ao seu destino. Com paciência peguei no rabo e o coloquei na canoa. Era um belo peixe, tinha bem os seus 5 kg. Olhei para o Acir e suspirei: “Cara, hoje vai ser um dia daqueles inesquecíveis”, e assim foi.

Durante o dia todo foi uma festa, era peixe estourando dentro da água a todo o momento, mal tivemos tempo para saborear a matula de galinha com arroz e ovo frito. Foi uma correria e tanto, e o trem foi tão bom que nem vimos o tempo passar. Soltamos vários exemplares que não deram medida, e seguramos só os grandes. No final da tarde avisei o parceiro que teríamos que tirar as linhas rapidamente, pois se escurecesse ficaria quase impossível sair do mato sem uma lanterna. Fomos até o final da picada, para de lá voltarmos tirando as linhas. Já era bem tarde e o sol já havia sumido, e dentro da mata já estava bem turvo. Quando já vínhamos tirando as armadilhas, ouvi um estrondo muito forte e grave, bem no começo das linhas, e disse pro amigo: “ou é um baita jacaré tomando um pacu, ou é o maior que bateu até agora”. Já meio sem rumo pela falta de claridade, chegamos ao local. Era a primeira linha da picada, com um pacu de assustar! Por já estar escuro, e estarmos sem iluminação, só percebi que era grande, mas não deu para ver direito o tamanho. Coloquei para dentro da canoa, tirei a linha e aprecei no remo para sairmos logo. Quando vi que já estávamos no rio, fiquei tranqüilo, pois sabia que não havia mais como nos perder. Remamos de volta até o porto, e ao descer no seco e começar a ajeitar as tralhas foi que percebi que o ultimo pacu era enorme, pesou 8 kg e mediu mais de 60 cm, o que para um pacu é um exemplar bem grande. Além do “bitelo”, pegamos mais 13 belos exemplares dentro da medida.


Fim de tarde no Rio Paraguai

Então, com tudo pronto, tive que ir até um orelhão ligar para meu pai vir buscar os peixes no seu “Corcel I”, pois com tanto peixe era impossível levar de bicicleta. 

Esta sem duvida foi uma bela pescaria, que jamais vou esquecer!

Por muitas e muitas vezes pesquei no mato, hoje não o faço mais por julgar não ser necessário, pois há muito não vivo da pesca profissional.

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