Trem do Pantanal

quinta-feira, 8 de março de 2012

Pescando entre onças


 A alguns anos atrás , quando eu ainda trabalhava como guia de pesca em um hotel turístico aqui  na região de Cáceres, fiz uma pescaria inesquecível com uns amigos de profissão,trabalhávamos em uma pausada de pesca chamada “hotel recanto do dourado”. Uma confortável instalação as margens do rio Paraguai a aproximadamente 50 km de Cáceres .
Era mês de junho, e a região próxima do hotel estava muito fraca de peixe pois o período de vazante já avia acabado por ali. Trabalhávamos como guia de pesca e quando não tinha turista para pilotarmos, fazíamos bicos pescando profissionalmente para vender os peixes e assim completar o orçamento. Avia rumores de que a vazante estava forte no pantanal abaixo da reserva e que tinha muito pintado no lugar! Alguns colegas que pilotam nos barcos hotéis deram informação que aviam pego muitos exemplares de pintado na região.
Como conhecedor do rio Paraguai e suas vazantes, sabia que era um bom momento para tentar ganhar um dinheiro extra, pois a falta de peixe perto da cidade fez com que turistas desistissem de vir pescar. Foi então que decidi convidar uns companheiros para irmos até o outro lado da reserve e dali começar a pescar, o percurso é grande “300 km de rio abaixo” e como La tem muitas onças, e naquele mesmo ano avia matado um pescador amigo meu (Fato este que foi muito divulgado por todos os meios de comunicação do Brasil, sobre o ataque de uma onça que matou um pescador em Cáceres). Então tínhamos que descer o rio em uma chalana, para acamparmos dentro dela e não precisar dormir no seco, e evitar um possível encontro com uma onça pintada “nos últimos anos o numero de onças no pantanal aumentou muito gerando assim muitos encontros inesperados entre pescadores e os felinos”.

Então  montamos uma equipe “eu , tino,Cezar,e o Zé Maria”decidimos que formaríamos duas duplas , eu  e o tino iríamos pescar juntos , Cezar e o Zé formaram a outra equipe,e assim preparamos tudo.
A chalana que fomos era da pousada e servia para transporte de carga, “é uma embarcação de médio porte, coberta e fechada nas laterais, com isso teríamos um acampamento flutuante”.Teoricamente falando é mais seguro acampar em um barco na região da reserva, por motivo dos ataques de onça ocorridos no local. Assim ,chegado o dia, preparamos as tralhas compramos os mantimentos,enchemos as caixas térmicas de gelos e partimos da cidade de Cáceres. Saímos do porto as 07:00 horas da manha, descemos o rio sentido pantanal ,após 4 horas de viagem chegamos na pousada que trabalhávamos e paramos para fazermos  almoço ,e pegar mais alguns apetrechos que ficava La, por volta das 13:00 horas da tarde, prosseguimos com a viagem, que ainda era longa.Navegamos o resto do dia.
E como é lindo o entardecer no rio Paraguai ainda mais viajando em uma chalana,que desliza suavemente pelas águas proporcionando ao navegantes imagens inesquecíveis, a cada nova curva um espetáculo diferente,os pássaros revoando, macacos e capivaras, jacarés , mutuns ,jacus, de vez em quando um onça pintada deitada de frente para o rio observando o movimento dos outros animais, “é impressionante como eu não me canso deste rio, nasci aqui, cresci e cada novo dia da minha vida eu agradeço a deus por me permitir estar vivendo no pantanal,a cada pescaria é como se fosse a primeira,a simplicidade e hospitalidade dos ribeirinho é de dar inveja, e no rio é como se todos se conhecessem a anos , e mesmo que o pescador nunca tenha visto o outro,em pouco tempo de conversa é como se já fossem velhos amigos , acho que é esta paixão em comum pela pesca que nos une uns aos outros .Nos acampamentos todos tem uma história para contar, um peixe que escapou, uma linha que quebrou ,uma onça que atravessou o rio na curva seguinte, uma esporada de pintado, enfim histórias é o que não faltam”.

Anoitecemos navegando e as 09:00 hs,da noite chegamos na entrada da reserva,depois de uma breve conversa decidimos que iríamos atravessar os limites,pois não é permitido parar ou acampar dentro da área de proteção.Atravessar a reserva de noite em uma embarcação lenta é uma grande aventura ,pois são 70 km de uma ponta na outra e no nosso caso mais 07:00 horas pela frente,e o pior !Não tem uma alma viva neste percurso, a não ser os animais selvagens, dentre eles a “onça”.
Por volta das 10:00 da noite aconteceu o primeiro problema,o motor começou a fazer um barulho estranho, fazia um tinido muito forte, então paramos para ver o que estava acontecendo e logo constatei que a porca do eixo cardam que faz transição do motor com a hélice avia se soltado, eu e o tino pegamos a caixa de ferramenta e metemos a mão na obra, uma hora depois , problema resolvido,pé na estrada, ou melhor na água , mais 2:00 horas e outro problema,o Zé que pilotava o barco estava muito sonolento e não percebeu um banco de areia , e encalhou o barco, mas uma vez outra trabalheira danada,tirei a roupa para evitar de molhar e cai na água o Zé também desceu,e começamos a empurrar para ver se desencalhava mas com muito peso estava difícil , então decidimos a descer um dos barcos de pesca que estava em cima da chalana,com esse novo auxilio de um motor rabeta 5,5, a lanchinha finalmente se soltou da areia para nosso alivio,então o tino assumiu o leme e me pediu para fazer companhia para ele para que não adormecesse também ,e assim foi , por volta das 4:00 da manha resolvi fazer um café e depois de pronto levei uma boa dose para o Tininho que se manteve firme a noite toda,La pelas 6:00 da manha atracamos do outro lado da reserva.Pronto ,viagem terminada .


Dormi umas 4:00 horas e só depois que  acordei comecei a preparar as armadilhas para começar a pesca de verdade, nesta região a pesca é feita numa modalidade chamada de ,Pendura ou para muitos de, anzol de galho. “Esta forma de pesca consiste em fincar ou amarrar um vara comprida de bambu ou varas nativas do mato, na barranca do rio para que a linha alcance as águas mais fortes e profundas das margens , amarrando uma corda de seda de aproximadamente 2,5 mm ,de espessura e uns 3 metros de comprimento , podendo ser alterado o tamanho conforme a profundidade do local , o chumbo também é proporcional a correnteza para que a corda de ceda não fique nem muito no fundo nem muito na superfície,chamamos isso aqui de meia água , o anzol pode ser 9/0 até 12/0, dependendo muito do tamanho da isca a ser usada,as iscas mais comuns para pintado aqui na região, variam muito com a época de pesca, no nosso caso naquele momento, o melhor era o Sairú, uma espécime de curimbatá de médio porte muito apreciado pelos grandes pintados ,sem descartamos as outras variedades de iscas como piaus,pacu-peva,e os camboatás .No primeiro dia de pesca as coisas iam bem eu e o tininho fincamos 20 varas em um lugar muito promissor, na boca de uma Bahia chamada de aterradinho,e no final da tarde adentramos nesta mesma para tarrafear e pegar as iscas,ai foi que começou os problemas de verdade , pintado estava boiando e bocando muito, mas por motivo do rio ainda estar um pouco cheio não conseguíamos pegar as iscas ,com muita dificuldade e mais de 1:00 hora tarrafeando conseguimos 20 iscas boas e rapidamente fomos iscar as armadilhas, logo depois retornamos para a luta de pegar iscas. Depois de umas 2:00 horas, voltamos com mais alguns sairús para iscar, e ao chegar nas varas tive uma bela surpresa ,de 20 varas 16 tinha peixes pegos,muitos fora da medida permitida mais 6 estavam com o tamanho bom, e isso me deixou animado, na segunda iscada saiu mais 3 pintados de medida,ainda estava sedo e a noite era boa mas não conseguimos mais iscas e assim voltamos para a chalana com 9 pintados, que foi um bom resultado pelo pouco tempo de pesca.Mais tarde o Zé e o Cezar chegaram com a mesma quantidade de peixes que nós, mas Reclamando muito da falta de isca também.
No geral a primeira noite de pesca foi muito boa,pois já tínhamos 18 pintados pegos que era um bom numero. E assim foi nos dias seguintes, muitos peixes mas poucas iscas, decidimos então descer mais o rio até uma região conhecida como “pacusinho”e La ficamos por mais dois dias sem ter muito sucesso, apesar de ter muito pintado continuávamos sem conseguir iscas, pegamos uns 50 kg de pintado e decidimos descer o rio mais ainda, até chegarmos na boca de uma grande Bahia conhecida como pacu-gordo ,imaginei que por a Bahia ser grande conseguiria isca com mais facilidade, este mesmo local foi onde ocorreu a morte de um amigo pescador por um casal de onças pintadas(o LUIZ ALEX filho de um a pescador muito conhecido e amigo, compadre do meu pai)esse fato deixou todos nós muito aborrecidos e tristes pois perdemos um bom companheiro  de uma maneira chocante e brutal.Ele foi retirado de dentro da barraca e arrastado por mais de 200 metros mata a dentro, quando o pai que estava olhando armadilhas chegou no acampamento e notou o que avia acontecido tentou socorrer o filho mais uma das duas onças o enfrentou fazendo com que recuasse, não tendo outra opção o pai pediu socorro pelo radio e todos os que estavam ali por perto se dirigiram para o local, mas já era tarde e o ALEX já estava morto, com a barulheira de todos os que procuravam o corpo as onças correram e deixaram o local, até que o encontraram já sem vida.Foi então feita uma homenagem ao Alex e bem no lugar onde ele foi morto pelas onças foi cravada uma cruz com seu nome e sua foto.

Atracamos a chalana bem em frente ao local do fato e uma vez ou outra eu olhava para a cruz do parceiro morto ,aquilo é de arrepiar ,mas fazer o que, tínhamos que pescar e o lugar sempre foi bom de pintado, em alguns momentos presenciei uma imponente onça deitada do lado da cruz,com olhar firme e frio mostrando que ali era a seu território é como se estivesse guardando a cruz da sua vitima.Eu e meu parceiro sempre evitávamos passar bem perto para não nos confrontarmos com o felino porque se acontecesse  ele com certeza sairia perdendo, pois por saber do perigo nunca mais andei desprevenido naquela região .
Nos dias que se seguiram,conseguimos pegar bons pintados, avia uma chalana de pescadores de iscas no local conhecidos meus e que sempre nos davam camboatás que entravam nas armadilhas de tuviras e isso quebrou bem o galho, em uma das noites num barranco em que eu avia colocado uma vara , ao olhar as armadilhas vi que tinha um peixe pego, peguei a lanterna e foquei só na vara que se batia muito na água com a fúria do peixe tentado  se soltar ,ao nos aproximarmos da armadilha notei um vulto grande bem em cima da gente, mas com a empolgação de ver logo o peixe nem notei que ali também estava uma enorme onça pintada nos observando a trabalhar ,depois do pintado embarcado num passar de foco da lanterna, meu coração quase parou com o susto que levei ao ver o animal a menos de dois metros da agente, vagarosamente e com a voz bem baixinha e suave avisei o tininho que estava na poupa do barco e assim mais perto ainda do bicho que em cima dele tinha uma onça e ele mais que depressa foi soltando o barco e a correnteza foi nos conduzindo para mais longe, fiquei impressionado com a frieza do tino, “pensa em um caboclo de coragem”e depois do susto vi que o animal só nos observava e não tinha maior intenção, pois se tivesse não teríamos como escapar, isso parece historia de pescador mas não aconteceu só comigo e com meu parceiro, é caso corriqueiro por aqui e acontece com freqüência estes encontros entre pescadores e onças.E no ano passado uma atacou um turista mineiro , avançando e  o arrancando do barco causando ferimentos gravíssimos , no qual foi salvo pelo piloteiro que bateu nela com um pedaço de paú fazendo com que soutasse o rapas.

Um dos motores de pesca que levamos deu problema, e começou a falhar e apagar , como sabíamos deste risco levamos um de reserva, eram 3 motores rabetas de 5,5 HP da Honda, e como não conseguimos consertar, o Zé decidiu retiralo do barco e o substituir por outro, e o colocou em cima da chalana bem na lateral ,  para quando voltarmos levar ao conserto, o problema foi que o cabeçudo não amarrou em nada deixando o motor Souto,quando decidimos que deveríamos voltar o Zé e o Cezar saíram na frente para ir retirando as armadilhas e combinamos de pegalos mais adiante, o tino deu partida no motor da chalana e eu fiquei no volante, como estávamos atracados debaixo de umas arvores com cipós pendurados a lanchinha saiu bem, mas logo na frente vi o Zé gritando desesperado pelo seu motor que ele avia posto em cima da lancha e não estava mais, não é que ao sairmos o peste do motor se enroscou em um cipó e foi para dentro da água, eu não sabia se dava risada ou se me preocupava , foi um fato inusitado, e voltamos ao local para procurar o diabo do motor, por sorte o rabeta caiu na água mais levou uns cipós enroscado nele assim marcando onde estava afundado, mergulhei me apoiando em um cipó e logo encontrei , amarrei uma corda nele e puxamos para cima para alivio do Zé e de todos nós,ai foi só risada .

Por fim no décimo segundo dia de pesca resolvemos atravessar a reserva de volta e pescar mais uns dias do lado de cima para completar a cota.Saímos do pacu gordo as 6:00 hs da manha e navegamos rio acima até as 13:00 da tarde quando chegamos na entrada da reserva, fizemos almoço e dormimos um pouco para começar a travessia que seria bem demorada , subindo o rio a viagem se torna mais demorada porque a embarcação tem que ir contra a corrente do rio e no nosso caso estava mais pesada com a carga de peixes,as 16:00 horas partimos rio a cima e foi uma bela viagem reserva a dentro, avistei duas belas onças no entardecer e tirei até foto de uma delas que nem se incomodou com a nossa presença ,a noite caiu e pau quebrou rio acima,quando  chegamos do lado de cima já eram 23:00 da noite,o Zé e o Cezar aproveitaram para ir colocar as armadilhas na que La mesma hora enquanto eu e o tininho fomos fazer uma janta, e decidimos que só íamos pescar no outro dia ,quando foi La pelas 4:00 da manha chegaram o Zé e parceiro com 7 belos pintados e pelo pouco tempo de pescaria imaginei que ali pegaríamos bem.
No amanhecer do dia seguinte, senti um bater bem fraco de água nas laterais da chalana e quando abri a janela lateral me veio uma grande preocupação, pois o tempo estava fechado com nuvens carregadas e ao longe já vinha branco o tempo com chuva, e logo percebi um vento que vinha do sul, então pensei comigo mesmo a pescaria acabou aqui, e não demorou muito o mundo desabou em chuva e vento em cima de nós, no rio se formaram ondas grandes  que tornavam quase impossível navegar com embarcações de pequeno porte, e assim sucedeu o dia todo, chuva , vento, e o frio que começava a apertar, foi uma das piores frentes frias que eu já tinha visto no rio, não dava se quer para tomar banho , ficamos três dias incapacitados de fazer nada e como o tempo não melhorou decidimos que a pescaria estava encerrada ali, e ao partimos de volta mais uma vez presenciei o pantanal e as maravilhas que ele proporciona, foram 27 horas de subida , apesar do frio estava muito feliz Por tudo ter dado certo e com mais uma grande carga de experiências e historia para contar.
Fico preocupado com o futuro do pantanal, pois pescarias como esta já estão ficando raras, o volume de peixe tem diminuído muito com o passar do tempo, até para os pontos mais longínquos já não se pode garantir boa pescaria, alguns afluentes do rio Paraguai estão sofrendo graves mudanças no bioma por causa de barragens hidrelétricas e isso juntando com a pesca predatória e o consumo excessivo de peixe tem contribuído para diminuição de peixes pantaneiros ,e é por isto que faço questão de escrever e contar essas aventuras pois é possível que no futuro fique apenas na lembrança as boas pescarias no rio Paraguai.     
LUIZ EMERSON DE SOUSA.

Um comentário: