Cáceres-MT
Cáceres é uma cidade bicentenária, fundada em 06 de outubro
de 1778, por ordem do capitão-general português, Luiz de Albuquerque de Mello Pereira
e Cáceres, 4° governador de Matogrosso na época, daí o nome em homenagem ao seu
fundador.
Por se localizar em um ponto estratégico as margens do rio
Paraguai, a sua fundação foi fundamental para firmar segurança em território de
fronteira com a Bolívia, para escoação de produtos pelo rio e facilitar a comunicação
da cidade de Vila Bela da Santíssima Trindade “primeira capital de Matogrosso”
com Cuiabá.
O rio Paraguai era a principal forma de escoação de produtos
extraídos de origens animais e vegetais do pantanal, neste período foram
implantadas grandes fazendas de açúcar e charques, onde algumas tiveram grande
expressão nos mercados internacionais como as fazendas “Descalvados, Barranco
vermelho, Jacobina e Facão” essas fazendas se utilizavam de trabalho escravo
trazendo muitos escravos negros para trabalharem nas suas produções.
Os negros traziam consigo suas crenças, tradições e cultos
oriundos da áfrica, neste período já aviam varias revoltas dos negros em busca
de liberdade, alguns insurgentes se rebelavam , fugiam e se agrupavam em
determinados lugares estrategicamente de difícil acesso em margens de rios,
serras e matas, formando os Quilombos.
Nas margens do rio Paraguai também avia muitas tribos indígenas,
com suas culturas e crenças que com o tempo e proximidade com os negros
aconteceu a miscigenação entre raças e culturas e mais tarde entre brancos
também.
Daí a abundancia cultural de lendas, costumes e tradições no
pantanal, outro fator importante foi a grande migração de pessoas por volta de
1960, em busca de trabalho e riqueza que implantou de vez a pecuária na região
trazendo consigo os valentes peões pantaneiros “outra fonte inesgotável de
culturas e posteriormente o comercio de peixes , para o consumo e turismo de
pesca.
Fiz esta pequena introdução, para o leitor ter idéia de onde
vem tanta imaginação com riqueza de detalhes que atravessa gerações, sendo
contadas de pais para filhos através dos anos, outras talvez criadas pela
imaginação, pela religião, por um acontecimento natural, uma mudança climática,
confronto com algo inesperado. A proximidade com a fauna e flora, faz com que
cada vez que uma historia seja contada ,sempre será introduzido nela algo a
mais,um fenômeno sobre natural , uma cobra que o tataravô contou que tinha 3
metros e chegou nos dias de hoje com 15,ou um conto do pai sobre algo que deixe
o filho amedrontado com o intuito de obter obediência , que através dos tempos
se transformou em uma grande lenda. Enfim!A simplicidade e respeito que os
pantaneiros têm com a natureza, a forma de como interagem com os peixes,
animais e plantas, as maneiras simples e arcaicas de utilizar os meios de
sobrevivência que faz deles um povo de cultura única e muito singular.
fAZENDA DESCALVADOS.
FAZENDA BARRANCO VERMELHO.
FAZENDA FACÃO.
FAZENDA JACOBINA.
Fiz aqui um apanhado de três das dezenas de contos e lendas,
contados a mim por ribeirinhos , e nativos da região , vividos por eles ou
repassados de pais para filhos, passei horas escutando os mais inusitados
causos pantaneiros , dando sempre preferência aos contos dos mais velhos e
sábios de cada lugarejo,em alguns acampamentos,conversei com pescadores de mais
de 50 anos de profissão e pude viajar entre a realidade e ficção, por varias
vezes me senti vivenciando situações incríveis, junto com os protagonistas de
cada conto, até do meu pai consegui arrancar uma história, que ele evita de
contar por ninguém acreditar e percebi que em minha própria família existe um
passado mitológico que agora pretendo não deixar morrer com o tempo.
Deixo claro que tudo que foi narrado neste texto, são contos
e lendas a mim passados por pessoas simples e vividas em meio aos costumes
pantaneiros e não cabe julgamento algum para afirmar se é verdade ou mito. Não existe embasamento técnico ou
cientifico sobre estes textos , é simplesmente cultural.
MINHOCÃO.
Lembro me do dia em que conheci o Mané, em uma das minhas pescarias, um índio
casado com dona Elena ,uma senhora negra descendente de quilombolas, que moram
a muitos anos as margens do rio Paraguai , rio acima onde me hospedei por
alguns dias a convite de um dos filhos do casal, na casinha de pau-a-pique, na
verdade posso até dizer que é uma tapera, feita de lascas de taboca e rebocada
com barro e coberta com folhas de uma palmeira conhecida como Indaiá, casinha
construída na beira do rio em uma grande curva cheia de pedras de onde da
janela da frente eu podia ver os dourados atacando os pequenos peixes nas
pedras submersas, lugar muito rústico e simples,mas aos olhos de um pescador
era a visão do paraíso, e como fui bem recebido por estas pessoas simples , e
entre um descanso e outro , no intervalo entre as pescarias é que
presenciava contos de belas histórias do
seu Mané. Mas a mais impressionante ele me contou no segundo dia de pescaria,
depois de um belo dia de pescaria, ao entardecer escutei dona Elena chamar por
um dos seus 6 filhos, o Donato, moleque que apesar de ter apenas 9 anos já era
muito esperto e ativo e não esperava a mãe mandar duas vezes para fazer um
mandado “ Donato pega o frangão vermelho, filho da galinha samambaia”, e não
demorou nada, já vi o menino barrigudinho, passar correndo por mim e entrar em
um dos cômodos da casa e já voltar rapidamente com um estilingue em uma das
mãos e umas três pedras brancas bem arredondadas na outra mão , e já fiquei imaginando para que serviria
o estilingue, sai pela porta do fundo e fui ver se aquilo era possível, se
aquele moleque conseguiria abater um frango tão grande com uma simples pedrada,
e de La da porta indaguei, “se você matar este frango de primeira vou te dar 20
reais agora” o péstinha com um olhar meio que sarcástico e na certeza do feito,
falou baixinho, “então ta” e mau deu tempo de eu piscar e já escutei a lapada
da borracha e o barulho da pedra acertando a cabeça do frangão que
imediatamente começou a se debater já com a cabeça esmagada pelo impacto da
pedra, correu em direção do frango o apanhou e veio em minha direção e com a
mesma vos baixa me disse “ seu Luiz num
precisa pagar eu não, minha mãe vai brigar se eu receber”, eu ainda meio bobo
com aquilo , corri até minha carteira peguei os 20 reais, e disse a dona Elena,
“ dona Elena este dinheiro é do Donato por direito, ele não me pediu nada, e
sim fui eu quem ofereceu , então por favor não brigue com ele” e assim foi, o
menino todo bobo com “tanto dinheiro” que avia ganho. Depois do frango abatido
a mãe mandou que ele fosse na rocinha atrás da tapera e tirasse algumas espigas
de milho verde para ela fazer uma polenta para servir com o frango, aquilo soou
como musica para os meus ouvidos .A noite caiu e logo estava La no fogãozinho a
lenha uma enorme panela com um frango caipira ao molho e uma polenta de dar
inveja nas grandes industrias e para acompanhar ,um arroz e feijãozinho de
caldo grosso, me fartei em cima daquela comida e depois fomos para nossas redes
tomar uma pinguinha e mais uma vez escutar os contos do Mané.
Foi então que ele me contou que a uns três anos atrás ,
quando dona Elena estava lavando roupas na beira rio aconteceu uma tragédia
naquela família, como de costume as filhas mais novas do casal sempre iam
ajudar a mãe na lavação de roupa, o serviço é bem dividido, cada uma faz uma
parte, como as meninas sempre faziam a parte de estender roupas na grama da
frente da casinha , sempre lhes sobravam tempo para as brincadeiras em quanto a
mãe esfregava as roupas, e as meninas sempre ficavam tomando banho no rio ali
perto, e em um desses momentos enquanto umas das meninas nadou um pouco mais
longe foi que a mãe escutou o grito pedindo ajuda, e quando tentou fazer algo
já não deu mais tempo,e a menina já avia
desaparecido dentro do rio.Por muitos dias os pais, irmãos e amigos procuraram
pelo corpo mas não encontraram,dona Elena , talvez em um minuto de desespero
disse ter visto as águas fazerem movimentos fortes e circulares em volta da
filha antes de ela sumir.
De La da beira do fogão escutei dona Elena interromper o
Mané, dizendo “foi o Minhocão Luiz, eu tenho certeza, vi os movimentos dele
antes de comer minha filha, e então o Mané abaixou a cabeça e com uma voz muito
baixa, quase imperceptível disse, foi sim o maldito”. Depois de ouvir aquilo
fiquei muito chocado, e por um breve momento, um silencio profundo tomou conta
do ambiente! Ficaria impressionado se eu não fosse uma pessoa com um nível de
instrução razoável para acreditar na razão, na minha cabeça sabia que foi um
afogamento, talvez causado por uma câimbra ou coisa parecida, e que os
movimentos na água que dona Elena descrevia poderia ser rebojos causados pelas
pedras submersas, criando vácuos na água que poderiam muito bem sugar a menina
para o fundo, mas em momento algum questionei a historia ou indaguei algo sobre
o assunto , somente escutei e guardei aquilo comigo para não aborrecê-los
tentando explicar o lógico.Ao término desta pescaria voltei para casa com uma
grande carga de conhecimento.
Mané e dona Elena , ainda são vivos e moram na mesma casinha
a muitos anos, estão La vivendo a vida simples mas feliz, os filhos cresceram e
vieram para cidade, uns trabalhar e outros estudar, e sempre que posso , faço uma visita, para pescar ou ouvir os
maravilhosos contos do Mané.
Falando do Minhocão, trata-se de um lenda pantaneira de uma
enorme serpente , que mora nos poços mais profundos do rio Paraguai, que devora
homens e animais e é capas de derrubar barrancos e arvores nas margens do rio, fazendo enormes tuneis
por baixo da terra, provocando o desmoronamento das barracas e afundando as
arvores, come os grandes pintados pegos nas armadilhas dos pescadores e afunda
barcos com apenas uma batida da cauda, cria redemoinhos capazes de partir um
barco ao meio.
Esta lenda povoa a
imaginação de grande parte dos ribeirinhos do pantanal e quase todos tem uma
historia para contar sobre o Minhocão.
O JAÚ DE CABELO.
Em um encontro meu com um pescador conhecido como Juca Boi,
que a muitos anos mantém seu acampamento na região da Bahia da Figueira, “lugar
que fica a uns 80 km de Cáceres rio a cima” foi que escutei um causo pavoroso
sobre o grande Jaú de cabelo. Sempre paro em acampamentos de ribeirinhos para
acampar , fazer uma comida ou mesmo para perguntar como a região esta de peixe,
pois são estes que moram no rio, e estão sempre monitorando os cardumes, o Juca
é um pescador antigo muito supersticioso,que sempre tem bons causos de pescaria
para contar, e parando no seu acampamento para fazer uma pescaria, eu fiquei
por La uns 5 dias, era por meados do mês de abril e a vazante estava forte na
região, estava saindo muitas iscas do mato e avia muitos pintados por ali,
firmei acampamento, eu e o meu sobrinho Fernandinho, e sempre que passo por La
levo uma garrafa de pinga e dois jogos de pilhas pro Juca e alguns alimentos,
pois sempre sou muito bem recebido em seu acampamento.
Depois de fixada minha barraca, fui logo tratando de ajeitar
as tralhas para ir colocar minhas armadilhas de galho, coloquei umas 25 linhas
em lugares muitos promissores.Próximo ao poço do Acurí, amarrei uma vara bem
comprida de maneira que a linha de seda de 3 mm ficasse em uma água profunda e
correntósa, e na ponta amarrei um anzol de 12/0 marine com um chumbo de 300
gramas, pois sabia que por se tratar de um poço, poderia bater algum jaú ou
pintado grande, assim sendo eu e o parceiro fomos em busca das iscas para
iscarmos logo mais a noite e sem muito sacrifício e com uma boa tarrafa pegamos
muitos piaus e curimbatás, e algumas pacu-pevas, entre tudo dava umas 40 iscas
que era mais do que suficiente para iscar a noite toda, quando escureceu saímos
para iscar os anzóis e quando cheguei na armadilha que ficava bem na cabeceira
do poço, resolvi iscar uma pacu-peva de tamanho razoável, e voltamos para o
acampamento para olhar as linhas só de madrugada, as duas horas da
manha,acordei o Fernandinho e fomos olhas os anzóis, tiramos 4 pintados de bom
tamanho e um jaú que pesou uns 20 kg, e quando cheguei na armadilha do poço ,
encontrei o anzol totalmente reto, e percebi que se tratava de algum peixe
maior que avia escapado, chegando no acampamento fui contar o acontecido ao
Juca e mostrar o anzol aberto para ele, que de prontamente indagou “ é o jaú de
cabelo que fez isto” então eu respondi que não existia isso de jaú de cabelo e
notando que o pescador estava ficando nervoso com meu questionamento resolvi
ficar quieto e deixar o assunto para depois. Ao amanhecer fomos mais uma vez
olhar as linhas e tiramos mais um pintado, e na linha que tinha endireitado o
anzol tinha acontecido de novo, só que dessa vez a vara com o anzol de galho que eu avia
colocado La não estava mais, algum peixe tinha arrancado ela do lugar e
escapado mais uma vez, e lógico que comecei a ficar perturbado, mas no fundo
sabia que se tratava de uma coincidência. E quando falei para o Juca, ai ele
caiu de pau em cima de mim, dizendo que se tratava do Jau de cabelo e que eu
tomasse cuidado , e então me contou muitos fatos de ataques do tal peixe a
pessoas , inclusive narrou com detalhes quando um amigo dele se deparou com o
jaú de cabelo, quando estava mergulhando para desenroscar um pacu preso na armadilha e foi atacado , ele tentou
ajudar o parceiro mas não conseguiu , viu o amigo se afogar e não pode fazer
nada.
Não sei explicar como, mas o Juca naquele dia ficou
inquieto, e de uma hora para outra decidiu ir embora para cidade, me pediu
desculpas ,e disse que tinha compromissos a fazer, vi nos olhos dele e nas
atitudes que estava com medo , ficamos então só eu e o Fernandinho e ainda
tínhamos mais 4 dias de pesca pela frente, na segunda noite preparei para a
armadilha do poço uma vara bem grossa de uma madeira chamada de cachoá, que é
praticamente inquebrável quando esta verde e amarrei com uma cordinha de ceda
de 3mm e um anzol de 14/0, sabia que era um exagero, mas já estava questionando
se era coincidência mesmo, e a noite isquei um enorme curimatã, que pesava uns
dois kg, os dias passaram e aquela isca continuou La viva esperando uma bocada
de um bom peixe. E no fundo , fiquei mesmo querendo pegar o tal Jaú de cabelo,
mesmo sabendo que aquilo era folclore puro, no penúltimo dia de pescaria na
olhada de manha, vi que a vara do poço do acurí estava com um peixe pego, e em se tratando das puxadas que vi,
sabia que era um peixe grande, mesmo sabendo do impossível torci muito para que
fosse o tal Jaú, e que eu conseguisse vencê-lo para mostrar ao Juca e demais
pescadores supersticiosos. Depois de uma boa briga venci a luta com um Jaú de
60 kg,que apesar de ser um grande peixe fiquei decepcionado pois procurei
cabelos por toda parte do peixe e não encontrei, como já estava com muitos
pintados pegos tirei algumas fotos do jauzão e o soltei de volta, para que
talvez algum dia eu o capture bem maior e talvez com os cabelos. O poço do
acurí é famoso na região por ter grandes Jaús, já vi alguns pegos na região que
pesaram mais de 100 kg, mas ainda nenhum com cabelo.
Reza a lenda pantaneira que existe um Jaú que de tão velho e
grande tem cabelos debaixo dos ferrões e em muitas partes do corpo e que ataca
e mata pessoas que nadam perto dos poços onde mora, muitas mortes por
afogamento são atribuídas ao Jaú de cabelo, principalmente as vitimas que não
são encontradas.
PAI DO MATO.
Sem duvida nenhuma dentre todos os causos mais inusitados e emocionantes que já ouvi
este do pai do mato sem duvida foi o melhor.Conto que jamais saiu da minha memória
e ainda me faz viajar no pensamento entre mito e realidade.
Essa lenda abita a imaginação de pescadores, sertanejos e
caboclos , por varias regiões do Brasil, e em cada uma delas, ela é contada de
maneira diferente.Uns dizem que trata-se de um animal muito parecido com um
homem, mas com grande estatura e corpo coberto de pelos grossos e escuros ,
outros relatam o biótipo de um animal
baixinho com pés de cabrito e corpo de macaco e rosto de homem, há quem diz que
já o viu , o relatando como uma criatura estranha e esquiva , que aparece
montado em um porco selvagem,e some sem
deixar vestígios.
Dizem os mais velhos , que esta criatura mitológica , não
faz mal algum as pessoas, mas sempre vem aos acampamentos para atentar os
pescadores e caçadores que cometem excessos,
faz barulho nas moitas e joga pedras no mato e na água para espantar os
peixes e animais, outros relatam que ele bate nos cães de caça com uma vara de
cipó, para proteger o animal perseguido,nas regiões nordestinas dizem que é
possível matá-lo, mas o tiro tem que ser no seu único ponto fraco que é o
umbigo e que o atirador tem que ser muito bom e rápido no gatilho, porque ele
esta sempre em movimento e nunca mostra seu ponto fraco .
No pantanal existe esta lenda e até mesmo meu pai já avia
relatado a mim algumas historias referente ao pai do mato, mas foi na fazenda
Santa Barbara , em uma passagem minha por La, que seu Zé Pedro , “ peão antigo
de pele escura e bem esfolada pelo tempo e lidas,homem de estatura media com
tronco e braços avantajados e uma cicatriz enorme no lado esquerdo da face,
feita por um touro marruá a uns 20 anos atrás” me contou uma historia de seu
pai “ o falecido Zé Bento”.
Fomos para a fazenda Santa Barbara para pegar uns porcos
monteiros a laço e trazer para amansar e engordar para o abate, fazenda a uns
220 km de Cáceres! Fizemos o percurso por horas , e por uma estrada pantaneira
cheia de obstáculos , hora cheia de areões, hora com grandes poças d’águas, sem
contar as dezenas de porteiras a serem abertas durante o percurso, mas fizemos
com prazer, pois o espírito aventureiro sempre fala mais alto, quando se trata,
de paisagens pantaneiras e as horas sempre voam nestes lugares
Estávamos no mês de julho e em uma noite de lua clara se não
me engano, era lua cheia, depois de um
dia cansativo com 6 porcas e dois machos novos capturados, eu e mais dois
amigos , fomos convidados pelos peões da fazenda a participar de um churrasco
pantaneiro feito no pátio da casa velha.
Como de costume a carne é assada em uma fogueira e espetada
com espetos feitos de estacas cortadas na hora, somente temperada ao sal grosso
e em volta da fogueira todos se reúnem em um circulo sentados em banquinhos ou
no chão de grama , para falar sobre o dia de lida e contar os causos e
aventuras de cada um, o que não falta nestes encontros é o famoso tereré “ erva
tomada com água em uma guampa feita de chifre, uma espécie de chimarrão
pantaneiro, só que ao invés de usar água quente eles tomam com água natural
mesmo, nas cidades pantaneiras é costume colocar água gelada”.
Durante estes dias que passei por La, me identifiquei muito
com uns dos vaqueiros, que foi o primeiro a nos receber na chegada, logo quando
o vi percebi em sua cintura em um coldre de couro bem velho e surrado, o cabo
de um revolver antigo que parecia ser de madre perola, ou coisa parecida e a
ponta do cano vazando com sobra na parte de baixo do coldre, na hora fiquei
quieto mas me interessei muito em saber de que arma se tratava, e depois de
fazer amizade com o vaqueiro e saber que seu nome era Zé Pedro , foi que pedi
informações sobre aquele revorvão, antigo e bonito que dele não despregava por
nada. Então ele me disse um pouco sobre a arma e que na roda de churrasco me
contaria a historia do revolver.
E foi de noite na beira da fogueira depois de umas guampadas
de tereré , que o Zé sentou do meu lado, sacou a arma do coldre, apertou um
sub-gatilho , que destravou o cano fazendo com que a arma se abrisse com se
fosse a culatra de uma espingarda, deixando o tambor exposto, virou a arma para
baixo deixando cair na mão 6 enormes balas, passou para minhas mão e me pediu
para olhar, naquele momento fiquei maravilhado com o que vi, e ao ler a
descrições da arma, vi que se tratava de um Smith e wesson 44, muito antigo, mas em bom estado de
conservação, e todos os vaqueiros dali chamavam a arma de chimitão.
E então me contou que se tratava da arma de seu pai, um
pracinha brasileiro que lutou na segunda guerra,e trouxe a arma da Europa , que
depois de se aposentar , comprou umas terrinhas no pantanal e para La se mudou
, e firmou residência até sua morte,se transformou em um peão e ficou muito
conhecido na região por ser valente nas caçadas de onça e queixadas e também
nas lidas com o gado. Seu nome era José Bento, mas todos o conheciam como Zé
Bento, homem destemido e bom no gatilho que perseguia e matava onças com apenas
o revolver,disse que ele dormia e acordava sem tirar aquele canhão da cintura,
homem que veio do sul do pais, respeitado por
cumprir seus compromissos ao pé da letra e ser um ótimo patrão para os peões da
fazenda .
Disse também que não
avia no pantanal animal que não tombasse instantaneamente com um tiro do
chimitão, desde que a bala pegasse da paleta para frente, e é claro que eu
acreditei, depois de ver o tamanho daquelas balas.
Zé Bento, matou de tudo quanto foi bicho naquela época , até
um búfalo macho padeceu sob o cuspir de fogo do chimitão 44, mas era nas
caçadas de onças que ele se mostrava
valente,uma vez,matou uma onça acuada no chão em uma moita de gravatá
fechada de cipós por cima, teve que abrir caminho com o facão engatinhando
entre os cipós até chegar perto, e quando percebeu estava a uns 5 metros da
bicha,quando ela o viu, abandonou os cachorros e partiu para cima dele, que
mesmo de baixo de muitos cipós conseguiu sacar a arma e dar 4 tiros na onça ,
fazendo com que ela caísse por cima dele. Outra foi a que o Tonhão atirou pelas
costelas com a carabina 38, e ao cair viva pegou com as unhas o melhor cão
mestre, chamado de leão, e Zé Bento acudiu o cachorro com um facão,para não
gastar as difíceis de conseguir balas de 44, pegou em uma das pernas do
cachorro e o puxou e com a outra mão lanhou a cara da onça de facão até ela cair
morta.
SMITH & WESSON 44 modelo russiam
Aquelas historias estavam me deixando maravilhado, quando
ele começou a contar o único fato que deixou o seu pai realmente com medo
daquelas matas pantaneiras, foi em um dia santo,dia de nossa senhora, quando um
vaqueiro da fazenda vizinha veio avisar o Zé que uma onça tinha matado e comido
na noite anterior uma novilha e se dava para ele ir matá-la.
De prontamente ele
aceitou o chamado,foi logo apanhar as tralhas e escolher as balas “insprusivas”
como os pantaneiros se referem a munições expansivas ,porque essas é que faz um
buracão no bicho. Já logo na saída quando estava atrelando os cães mestres foi
que sua mulher o advertiu sobre o dia santo, que não era bom sair para caçar
naquele dia, mas como um bom veterano de guerra que já viu de tudo e incrédulo
com superstições ele nem deu ouvido a esposa , arreou o cavalo pantaneiro baio,
e partiu com a cachorrada em direção do lugar onde a onça matou a novilha, já
na chegada,em um capão de mato em meio a um descampado o cão mestre deu rastro
da bicha e em pouco tempo a cachorrada levantou
corrida ,por varias vezes a onça deu acuação mas sempre que Zé chegava
perto ela saia em disparada, em uma das saídas ele chegou a ver de relance a
bicha e com toda experiência que tinha soube que se tratava de um macharrão
pelo tamanho .Depois de algum tempo de corrida e o aperto dos cães a danada
acuou no chão mesmo na beirada de igarapé, lugar muito sujo de mato baixo e
fechado, cheio de cipós e gravata
Ao chegar na acuação , Zé viu uma grande onça
no meio de uma moita fechada e os cães naquele rebuliço , volta e meia, um ou
outro cachorro dava uns ganidos de quem tomou uma unhada ou uma mordida, então
ele foi logo apiando do cavalo, e chegando bem perto para o tiro fatal, quando
percebeu vultos escuros passando por todo lado e a cada passada um cão gania de
dor, apresou-se em abrir caminho e quando teve a oportunidade, sacou o revolver
e fez pontaria, já na certeza do tombo, e puxou o dedo, com o estalo do tiro
ele escutou o ganido de uns dos cães e viu que estava morto,pensou que avia
acertado seu próprio cachorro, então chegou mais perto ainda da onça e atirou
novamente, e nada da bicha cair e nem se mover com o impacto da bala, se
aproximou mais e dessa vez teve a certeza que era impossível errar, e deu mais
4 tiros seguidos , até as balas acabarem , e quando olhou de novo viu a onça
saindo a passos lentos rosnando, e todos os seus 4 cães mortos dilacerados por
unhas e dentes, até o leão que era o mestre mais experiente da matilha e nunca
chegava para morder uma onça na acuação estava morto,então carregou mais uma
vez o revolver e foi em direção para onde a onça foi, sabia que não tinha
errado os tiros e procurou por marcas de sangue no chão e nas folhas mas não
viu nada, ao voltar para onde estava o cavalo, viu novamente os vultos negros
passando pelas folhas a sua frente, e perguntou por varias vezes quem era, sem
ter resposta. Então ameaçou de atirar se ninguém aparecesse, andou mais um
pouco a frente e viu um grande animal escuro, parado e olhando para ele, era
peludo com orelhas pontudas, e olhos grandes e batia com as patas no chão como
se o tivesse ameaçando. Já atordoado pelo acontecido com a onça, Zé Bento sacou
o chimitão 44 e deu 6 tiros seguidos no animal, que caiu abatido
instantaneamente , meio que com medo e receio do que era,foi chegando bem de
vagar perto do animal, e ficou chocado com o que viu, ele avia acabado de matar
seu próprio cavalo, um dos melhores e mais queridos da fazenda .
Saiu correndo em direção a sua sede , chegou em casa em
estado de choque, todo sujo e lanhado dos pés a cabeça por espinhos, com o
revolver na mão, e sem dizer uma só palavra, entrou em seu quarto e por La
ficou o resto do dia, e só depois de muito tempo foi que resolveu contar o
acontecido para a esposa e os filhos.
PORCO MONTEIRO.
PEÃO PANTANEIRO.
CATEDRAL DE CÁCERES-MT
Depois disso , Zé Bento ficou quase dois anos sem caçar e
aos poucos , retomou a coragem dos tempos antigos,ainda matou umas 15 a 17
onças até morrer no inicio dos anos
70,tombado por uma tuberculose, mas sua vida ficou marcada com respeito e
orgulho por parte da família e amigos que o conheceram e contam suas aventuras
pelo pantanal a fora.
A maioria dos peões daquela fazenda são enfáticos em dizer
que foi o Pai do mato que causou toda aquela confusão mental na cabeça do Zé
bento durante aquela caçada, e quase todos eles nunca caçam e nem pescam em dia
santo.
Então Zé Pedro ao terminar de falar do Pai com os olhos
cheio de orgulho, se levantou devagar , tirou da cintura uma enorme faca
coqueiro que estava na bainha junto com uma chaíra andou de vagar até um grande
espeto de costela que já esta bem ao ponto, cortou um pedaço e comeu , cortou
mais uma tira de carne veio em minha direção e me serviu , e me perguntou , luizin,
(na verdade todos me chamam de luizinho, e foi deste sotaque que alguns ficaram me chamando
de luizin) você ta com sua lanterna ai?
Eu disse não ando sem ela de noite ZÉ nesta grama que pode ter jararacas ,
então me convidou a se retirar da turma por um momento para me mostrar algo.
Fomos em direção ao fundo da casa grande , depois de uns 200
metros chegamos na beirada de uma
matinha mais alta e La esta um monte de terra bem cuidado envolto por gramas
com uma cruz de aroeira já muito velha e restos de velas , e me disse aqui esta
enterrado meu pai Zé bento luizin . Naquele momento minhas pernas ficaram bambas,
abaixei a cabeça e benzi o corpo em sinal de respeito e ainda meio comovido com
o que tinha ouvido sobre aquele homem enterrado ali.
Fiquei fascinado em ver como os pantaneiros levam esta superstição ao pé da letra.
O vaqueiro Zé Pedro se tornou um grande amigo e por varias
vezes voltei a fazenda santa Barbara para pegar porcos, ele é vivo e agora
trabalha em outra fazenda bem perto aqui de Cáceres, dias atrás veio na minha
loja para comprar um óculos de grau , esta cego do olho direito acometido por
um glaucoma e com a vista esquerda precisando de grau, depois de bater um bom
papo fiz seu óculos que corrigiu muito bem seu problema visual, e se alguém duvida
desta historia o Zé Pedro ta por ai é só
vir aqui que o apresento para que conte sobre seu pai Zé bento.
Nas fazendas e ranchos pantaneiros é muito comum ouvirmos
historias de acontecimentos lendários, sempre há alguém que tenha um causo
supersticioso para contar. A influencia indígena e africana contribuiu muito
para disseminação de muitos eventos místicos, sempre envolvendo a natureza.
Todos que trabalham
nas antigas fazendas de escravos têm um evento a ser narrado, vozes que vem das
antigas senzalas, barulho da chicoteadas e gritos dos negros que apanhavam,
ruído de panelas caindo no chão, vozes de índios nas florestas, cavalos que amanhecem
com as crinas trançadas.
Todo este misticismo contribui para a riqueza popular da
região e faz com que nosso imaginário viaje por alguns momentos em um mundo de
ilusão, onde o impossível se torna possível, onde as crenças se tornam
realidade na cabeça dos que contam e dos que ouvem estes maravilhosos causos.
O que para nós é
mito, para eles é crença! O que nós, foge a razão, neles provoca medo e
respeito.
Assim, “cria-se vida”, o Pai do mato, Pé de garrafa, Negrinho
d’água, Minhocão, Jaú de cabelos, Saci perere, Mula sem cabeça, Boitatá, dentre
muitos outros.
O pantanal é assim!Rico de todas as formas.
LUIZ EMERSON DE SOUSA.